Reter na retina
o fugaz momento:
na tela do instante
capturar o vento
com olhos, não de ver,
mas de registrar
(tenazes da memória
vasculhando o ar).
Pois no negativo
a vida se traduz
noutra substância,
feita em sombra e luz
— substância essa
que, apesar de tudo,
verte a mesma forma
em outro conteúdo.
É na realidade,
ora em fragmento,
que a emoção repõe
vida e movimento
Como se possível
fosse, à luz do dia,
reinventar a forma
em nova geometria.
O olhar da lente
reconstrói o traço
que logra os sentidos
no oco do espaço
e convém ao olho,
nessa construção,
ter de cada imagem
a revelação.
Mas no olhar da lente
há um logro sabido
que ao olhar desmente
o reconstruído.
Tanta captura
soa coisa vã:
qual exato instante
define a manhã?
Resta ao captor
ver no seu ofício
modos de inventar
manhãs de artifício.
Reter o momento
na fugaz retina:
dar relevo ao vento?
Recortar neblina?
DA PALAVRA
Discurso sobre o discurso • Memória fotográfica • Pórtico • Cena parlamentar • No côncavo da noite • Com a palavra, o amigo prático