Tudo quanto parecia findo
continua vivo pela casa
pulsando em prateleiras, travesseiros,
na panela de vapor, nos edredons,
nas canções de Chico e Beto Guedes
que o Youtube teima em me mostrar.
A persiana que nunca tapa o sol
também fala de você meio acordada,
a reclamar da luz que vem varrer
fiapos do sonho interrompido.
E as coisas vão gastando, inexoráveis:
o desenho desbotado da toalha,
o vidro com algum resto de xampu,
o pó nos livros que estudamos juntos.
Só a memória do tempo ainda é viva
e dá sentido a tantos objetos.
Talvez resolva abandonar a casa,
tomar um barco, ir a Trás-os-Montes,
mas eis que tudo irrompe em minha frente
Nas ruas de Madri, do Alentejo,
cafeterias, campos de oliveiras,
e os objetos enfim ficando etéreos
— e a persiana que nunca tapa o sol.
E tudo quanto parecia findo
anda agora livre pelo mundo.
ROTEIRO DE APRENDIZADO
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